Como Definir um Problema de Pesquisa: Do Tema à Pergunta

Autor: Adrian Sgarbi. Leitura: 10 minutos.

Autor: IA

Definir um problema de pesquisa é, sem exagero, uma das etapas mais desafiadoras e decisivas de qualquer projeto acadêmico. É comum que pesquisadores iniciantes—e até experientes—sintam-se perdidos ao tentar transformar um interesse amplo em uma pergunta de pesquisa clara, viável e relevante. A dificuldade não é acidental: a formulação do problema exige não apenas conhecimento do campo, mas também clareza conceitual, pensamento crítico e, sobretudo, método.

Neste artigo, apresento um processo estruturado para conduzir você do tema inicial até uma pergunta de pesquisa bem definida. Cada etapa é fundamentada em princípios metodológicos consolidados e ilustrada com exemplos práticos. O objetivo é fornecer um guia que você possa aplicar imediatamente ao seu próprio projeto.

Por Que Definir o Problema é Tão Importante?

Antes de avançarmos para o "como", é fundamental compreender o "por quê". A definição do problema de pesquisa não é apenas uma formalidade burocrática ou um requisito de projeto. Ela é, na verdade, a espinha dorsal de toda a pesquisa. Como afirmam Creswell e Creswell (2018), o problema de pesquisa orienta todas as decisões subsequentes: a escolha da metodologia, a seleção de participantes, os instrumentos de coleta de dados e até mesmo a forma de análise dos resultados.

Um problema mal definido leva a uma pesquisa difusa, sem foco, que raramente produz contribuições significativas. Por outro lado, um problema bem delimitado permite que você concentre seus esforços, evite desvios e, ao final, produza conhecimento que realmente avance o campo. Booth, Colomb e Williams (2016) argumentam que a clareza do problema é o que distingue uma pesquisa medíocre de uma pesquisa excelente.

Além disso, a definição do problema é o que torna sua pesquisa comunicável. Quando você consegue articular claramente o que está investigando e por que isso importa, você facilita o diálogo com orientadores, bancas, pares e leitores. A clareza conceitual é, portanto, também uma questão de responsabilidade intelectual.

Etapa 1: Do Interesse Geral ao Tema de Pesquisa

Toda pesquisa começa com um interesse. Pode ser uma curiosidade pessoal, uma lacuna percebida na literatura, um problema prático enfrentado em sua área de atuação ou até mesmo uma inquietação teórica. Esse interesse inicial é legítimo e necessário, mas ele ainda não é um tema de pesquisa.

O que é um tema de pesquisa? Um tema é uma área ampla de investigação, um campo de conhecimento dentro do qual você pretende trabalhar. Por exemplo:

•"Educação inclusiva"

•"Direito ambiental"

•"Gestão de projetos em startups"

•"Saúde mental de estudantes universitários"

Esses são temas válidos, mas ainda muito abrangentes para orientar uma pesquisa específica. O desafio, nesta primeira etapa, é delimitar o tema sem perder de vista o que realmente lhe interessa.

Como delimitar o tema?

A delimitação do tema envolve três movimentos principais:

1. Especificação temporal: Você está interessado em um período histórico específico? Em tendências contemporâneas? Em projeções futuras?

2. Especificação espacial: Sua pesquisa se refere a um contexto geográfico, institucional ou cultural específico?

3. Especificação conceitual: Dentro do tema amplo, há um conceito, fenômeno ou variável que lhe interessa particularmente?

Exemplo prático:

•Tema amplo: Educação inclusiva

•Delimitação temporal: Políticas de educação inclusiva implementadas nos últimos 10 anos

•Delimitação espacial: No contexto das universidades públicas brasileiras

•Delimitação conceitual: Com foco em estudantes com deficiência visual

Tema delimitado: "Políticas de educação inclusiva para estudantes com deficiência visual em universidades públicas brasileiras (2014-2024)"

Esse tema ainda não é uma pergunta de pesquisa, mas já oferece um recorte claro e gerenciável.

Etapa 2: Revisão Preliminar da Literatura

Antes de formular sua pergunta de pesquisa, é essencial que você conheça o que já foi produzido sobre o tema. Isso não significa fazer uma revisão exaustiva—isso virá depois—mas sim uma revisão preliminar que lhe permita mapear o campo.

O que buscar na revisão preliminar?

1. Estudos seminais: Quais são os trabalhos clássicos, os autores mais citados, as teorias fundamentais?

2. Tendências recentes: O que tem sido publicado nos últimos 3-5 anos? Há debates emergentes, novas abordagens metodológicas, controvérsias?

3. Lacunas: O que ainda não foi estudado? Onde estão os silêncios, as contradições, as perguntas não respondidas?

Hart (2018) enfatiza que a revisão preliminar não é apenas uma coleta de informações, mas um exercício de pensamento crítico. Você não está apenas lendo; você está avaliando, comparando, questionando. Essa postura crítica é o que lhe permitirá identificar oportunidades de contribuição original.

Ferramentas úteis:

•Google Scholar: Para uma visão panorâmica do campo

•Bases de dados especializadas: JSTOR, SciELO, PubMed (dependendo da área)

•Ferramentas de gestão de referências: Zotero, Mendeley, EndNote

Dica prática: Ao ler cada artigo, faça anotações sobre: (1) o problema que o autor investiga, (2) a metodologia utilizada, (3) os principais achados, e (4) as limitações apontadas. Essas limitações são frequentemente pistas para novas pesquisas.

Etapa 3: Identificando uma Lacuna ou Problema Específico

A revisão preliminar deve conduzi-lo a uma percepção clara: há algo que ainda precisa ser investigado. Essa "algo" pode assumir diferentes formas:

1. Lacuna empírica: Um fenômeno que ainda não foi estudado em determinado contexto.

•Exemplo: "Embora haja estudos sobre educação inclusiva em escolas de ensino fundamental, há poucos estudos sobre universidades públicas brasileiras."

2. Lacuna teórica: Uma teoria que ainda não foi aplicada a determinado fenômeno, ou uma contradição entre teorias.

•Exemplo: "A teoria X foi amplamente aplicada em contextos europeus, mas não foi testada em contextos latino-americanos."

3. Lacuna metodológica: Um fenômeno que foi estudado apenas com métodos quantitativos (ou qualitativos), mas que se beneficiaria de outra abordagem.

•Exemplo: "Estudos quantitativos mostram que políticas inclusivas existem, mas faltam estudos qualitativos que explorem como essas políticas são vivenciadas pelos estudantes."

4. Problema prático: Uma questão que tem implicações diretas para a prática profissional ou para políticas públicas.

•Exemplo: "Gestores universitários relatam dificuldades na implementação de políticas inclusivas, mas não há estudos que identifiquem os principais obstáculos."

Identificar a lacuna não é apenas dizer "ninguém estudou isso". É demonstrar por que essa lacuna importa, quais consequências ela tem para o conhecimento ou para a prática.

Etapa 4: Formulando a Pergunta de Pesquisa

Chegamos ao momento crucial: transformar o tema delimitado e a lacuna identificada em uma pergunta de pesquisa. Uma boa pergunta de pesquisa tem cinco características essenciais:

1. Clareza

A pergunta deve ser compreensível para qualquer leitor familiarizado com o campo. Evite jargões desnecessários, ambiguidades ou formulações vagas.

Ruim: "Como se dá a dinâmica da inclusão?"

Bom: "Quais são os principais obstáculos enfrentados por estudantes com deficiência visual em universidades públicas brasileiras?"

2. Especificidade

A pergunta deve indicar claramente o que você está investigando. Perguntas muito amplas são impossíveis de responder em uma dissertação ou tese.

Ruim: "Como melhorar a educação inclusiva?"

Bom: "Quais estratégias pedagógicas são mais eficazes para apoiar estudantes com deficiência visual em cursos de graduação em ciências exatas?"

3. Viabilidade

A pergunta deve ser respondível com os recursos, tempo e acesso que você tem. Perguntas que exigem dados inacessíveis ou amostras gigantescas não são viáveis para a maioria dos pesquisadores.

Ruim: "Qual é o impacto das políticas de inclusão em todas as universidades brasileiras nos últimos 50 anos?"

Bom: "Qual é o impacto das políticas de inclusão implementadas entre 2014 e 2024 em três universidades públicas do Rio de Janeiro?"

4. Relevância

A pergunta deve importar. Ela deve ter potencial de contribuir para o conhecimento teórico, para a prática profissional ou para políticas públicas.

Pergunte-se: "E daí?" Se a resposta não for convincente, reformule a pergunta.

5. Investigabilidade

A pergunta deve ser empírica ou analiticamente investigável. Perguntas normativas ("O que deveria ser?") ou filosóficas puras ("O que é justiça?") são válidas, mas exigem abordagens metodológicas específicas.

Ruim: "A educação inclusiva é justa?"

Bom: "Como estudantes com deficiência visual avaliam a justiça das políticas de inclusão em suas universidades?"

Tipos de Perguntas de Pesquisa

Dependendo da natureza da sua pesquisa, sua pergunta pode assumir diferentes formas:

1. Perguntas descritivas

Buscam descrever um fenômeno, suas características, sua distribuição.

•"Quantos estudantes com deficiência visual estão matriculados em universidades públicas brasileiras?"

•"Quais são as principais políticas de inclusão adotadas por universidades federais?"

2. Perguntas explicativas

Buscam entender causas, mecanismos, relações entre variáveis.

•"Quais fatores explicam a baixa taxa de conclusão de cursos por estudantes com deficiência visual?"

•"Como a formação docente influencia a implementação de políticas inclusivas?"

3. Perguntas exploratórias

Buscam investigar fenômenos pouco conhecidos, gerar hipóteses, mapear um campo novo.

•"Como estudantes com deficiência visual experienciam o ambiente universitário?"

•"Quais são as percepções de docentes sobre a inclusão de estudantes com deficiência visual?"

4. Perguntas avaliativas

Buscam avaliar a eficácia, eficiência ou impacto de intervenções, políticas ou programas.

•"Qual é a eficácia do programa X na promoção da inclusão de estudantes com deficiência visual?"

•"Como o programa Y impacta o desempenho acadêmico desses estudantes?"

A escolha do tipo de pergunta depende do estado da arte do campo e dos seus objetivos de pesquisa.

Etapa 5: Testando e Refinando a Pergunta

Formular a pergunta de pesquisa não é um evento único, mas um processo iterativo. É provável que você precise revisar sua pergunta várias vezes antes de chegar à versão final. Aqui estão algumas estratégias para testar e refinar sua pergunta:

1. Apresente para colegas e orientadores

A reação de outras pessoas é um teste valioso. Se elas não entendem a pergunta, se fazem muitas perguntas de esclarecimento, ou se não veem a relevância, é sinal de que você precisa reformular.

2. Escreva a pergunta em uma frase

Se você não consegue articular sua pergunta em uma única frase clara, ela provavelmente ainda está confusa.

3. Pergunte-se: "Como eu vou responder isso?"

Se você não consegue imaginar uma metodologia plausível para responder à pergunta, ela pode ser inviável ou mal formulada.

4. Verifique a literatura novamente

Depois de formular a pergunta, faça uma busca mais focada. Alguém já respondeu exatamente essa pergunta? Se sim, você precisa reformular. Se não, ótimo—mas certifique-se de que há literatura suficiente para embasar sua pesquisa.

Exemplo Completo: Do Tema à Pergunta

Vamos consolidar o processo com um exemplo completo:

Interesse inicial: "Quero estudar algo relacionado à saúde mental de estudantes universitários."

Tema delimitado: "Saúde mental de estudantes de pós-graduação em universidades públicas brasileiras durante a pandemia de COVID-19."

Revisão preliminar: Descobri que há muitos estudos sobre saúde mental de graduandos, mas poucos sobre pós-graduandos. Também notei que a maioria dos estudos é quantitativa (mede níveis de ansiedade e depressão), mas poucos exploram as experiências vividas.

Lacuna identificada: Lacuna metodológica e empírica—faltam estudos qualitativos que explorem como pós-graduandos experienciaram o impacto da pandemia em sua saúde mental.

Pergunta de pesquisa: "Como estudantes de doutorado em universidades públicas brasileiras experienciaram o impacto da pandemia de COVID-19 em sua saúde mental e em seu progresso acadêmico?"

Teste da pergunta:

•Clara? Sim, qualquer leitor entende o que está sendo perguntado.

•Específica? Sim, foca em doutorandos, universidades públicas brasileiras, pandemia.

•Viável? Sim, posso fazer entrevistas com 15-20 doutorandos.

•Relevante? Sim, tem implicações para políticas de apoio estudantil.

•Investigável? Sim, posso usar entrevistas semiestruturadas e análise temática.

Armadilhas Comuns (e Como Evitá-las)

Ao longo de anos orientando pesquisadores, identifiquei algumas armadilhas recorrentes na formulação de problemas de pesquisa:

1. Pergunta muito ampla

Problema: "Como melhorar a educação no Brasil?"

Solução: Delimite temporal, espacial e conceitualmente. "Quais estratégias pedagógicas são mais eficazes para reduzir a evasão escolar no ensino médio público em São Paulo?"

2. Pergunta normativa disfarçada de empírica

Problema: "Por que as universidades deveriam investir mais em saúde mental?"

Solução: Reformule para uma pergunta investigável. "Qual é a percepção de gestores universitários sobre a importância de investir em serviços de saúde mental?"

3. Pergunta sem lacuna clara

Problema: Você formula uma pergunta, mas não consegue explicar por que ela importa ou o que ela acrescenta ao campo.

Solução: Volte à literatura. Identifique explicitamente o que já foi estudado e o que falta.

4. Pergunta inviável

Problema: "Qual é o impacto das políticas educacionais em todos os países da América Latina nos últimos 100 anos?"

Solução: Reduza o escopo. Escolha 2-3 países, um período menor, ou um aspecto específico das políticas.

5. Pergunta sem método

Problema: Você tem uma pergunta, mas não sabe como respondê-la.

Solução: Pense na metodologia desde o início. Se você não consegue imaginar como coletar e analisar dados, reformule a pergunta.

Considerações Finais

Definir um problema de pesquisa é um exercício de disciplina intelectual. Exige que você resista à tentação de abraçar temas amplos e fascinantes, e que você se comprometa com a clareza, a especificidade e a viabilidade. Mas essa disciplina não é uma limitação—ela é, na verdade, o que torna possível produzir conhecimento rigoroso e relevante.

Lembre-se: uma pesquisa bem-sucedida não é aquela que responde a todas as perguntas, mas aquela que responde bem a uma pergunta específica. Como afirma Umberto Eco (2016), "uma tese é um trabalho que, mesmo modesto, contribui para o avanço da disciplina à qual se refere". E esse avanço começa com um problema bem definido.

Se você está no início da sua jornada de pesquisa, dedique tempo a essa etapa. Converse com orientadores, revise a literatura, reformule sua pergunta quantas vezes for necessário. O esforço investido agora economizará meses—ou anos—de trabalho difuso e improdutivo.

E lembre-se: definir o problema de pesquisa não é apenas uma tarefa técnica. É também um ato de posicionamento intelectual. Ao escolher o que investigar, você está dizendo ao mundo acadêmico: "Isso importa. Isso merece atenção. Isso vale a pena ser conhecido." Escolha bem.

Referências

Booth, W. C., Colomb, G. G., & Williams, J. M. (2016). A arte da pesquisa (3ª ed.). São Paulo: Martins Fontes.

Creswell, J. W., & Creswell, J. D. (2018). Research design: Qualitative, quantitative, and mixed methods approaches (5th ed.). Thousand Oaks, CA: SAGE Publications.

Eco, U. (2016). Como se faz uma tese (26ª ed.). São Paulo: Perspectiva.

Hart, C. (2018). Doing a literature review: Releasing the research imagination (2nd ed.). London: SAGE Publications.

Sobre o autor: Adrian Sgarbi é professor e pesquisador na PUC-Rio, onde desenvolve pesquisas sobre metodologia acadêmica e práticas de estudo. Criador do PESQUISATEC, um projeto dedicado a fornecer informações baseadas em evidências para pesquisadores em formação.

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