O que fazer nos anos de Pós-graduação
Autor: Adrian Sgarbi. Tempo estimado de leitura: 5',22’’ Imagem: Pesquisatec
Faz alguns dias tive um conversa instigante. Estava eu saindo de um processo seletivo de pós-graduação (e, confesso, bem distraído, olhando para folhas secas que caiam de uma árvore) quando um aluno me parou pedindo alguns minutos. Estes minutos chegaram a quase uma hora em uma cafeteria. O rapaz estava preocupado com o plano do doutorado. Depois de eu mesmo ouvir muito de minha voz, notei um leve tremor, em minhas mãos, pelo exagero de cafeína. Não sei bem se ajudei o rapaz aflito ou qual foi o número da xícara excessiva. Deixarei esta reflexão de lado. Tentarei agora apenas amenizar minhas muitas falhas (inclusive a de ter falado demais), resumindo um pouco de nossa conversa e, ao menos hoje, bebendo um pouco de chá de tangerina.
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O primeiro ano
1. ENGAJE-SE EM SUA PESQUISA
Alguns alunos preferem pensar na tese no segundo e até, pasmem, no terceiro ano de doutoramento. Em geral o meu conselho para quem está cursando mestrado é: espere ao menos seis meses, aproveite as aulas ao máximo e defina o seu projeto até o final do primeiro ano. No entanto, não encontro razões para maior espera no curso de doutorado. A razão é bastante simples: o candidato já ingressou no curso com um projeto de tese. Portanto, as disciplinas devem ser cursadas sempre com o objetivo de submeter a hipótese a diferentes ângulos. Então, comece logo.
2. FIQUE EM DIA
Deixe-me dizer uma coisa. Tenha seu calendário bem organizado, abra uma pasta em sua conta de e-mail para receber as mensagens da secretaria de pós-graduação e, de preferência, não deixe acumular tarefas simples. Deixar para lá questões administrativas podem facilmente prejudicá-lo, mesmo que o prejuízo seja ficar atabalhoado respondendo coisas em cima da hora.
3. CONTINUE PENSANDO NO QUE VOCÊ VAI FAZER DEPOIS DE COMPLETAR SUA PÓS-GRADUAÇÃO
O curso de doutoramento não é o fim da linha, mas o meio. Você iniciou sua carreira acadêmica aprendendo a ser professor no mestrado; agora, você está buscando o reconhecimento como pesquisador. Mas, se você não tem um emprego, é bom ir pensando em um plano. A bolsa que você tem um dia terminará.
4. TOME NOTAS, AINDA QUE PEQUENAS, SOBRE SEUS INSIGHTS
Nunca deixe de tomar notas. Mantenha sempre um bloco, gravador, ou post-it com você. Com o tempo, você notará que até sonhando problemas de sua tese serão resolvidos. Não deixe para anotar depois. Eu já fiz isso e me arrependo dolorosamente. Não cometa o mesmo erro.
5. SEPARE MOMENTOS DE DISTRAÇÃO (PROVAVELMENTE ELES SERÃO RAROS NO FINAL)
Procure manter a sua sanidade. Tenha alguma distração. Saiba que no final é muito provável que detalhes da tese ou da própria vida tomem um tempo não previsto por você. Geralmente a primeira coisa que sacrificamos é o lazer. Portanto, deixe para "enlouquecer" no final, não no início.
6. PENSE NO ÚLTIMO ANO DESDE JÁ
O último ano de sua tese deve estar sempre em seu horizonte. Tente prever possíveis obstáculos, tanto familiares quanto profissionais. Visualize e planeje desde já tudo o que estiver ao seu alcance.
7. NÃO SUBESTIME A SUA SAÚDE
A sua saúde realmente importa, e importa muito. Procure se alimentar de modo saudável, descanse, veja os seus amigos, durma em horários regulares. Evite o caos.
O segundo ano
1. ENCONTRE UM LEITOR DE CONTROLE
Já escrevi sobre a importância do leitor de controle. Não vou retomar o tema aqui (veja a postagem: "Você escreve como o Yoda fala"). Gostaria apenas que você soubesse que no segundo ano já é possível saber quem seria um bom leitor de suas primeiras páginas.
2. NÃO EVITE CRÍTICAS, BUSQUE-AS
Lembro-me de ver alguns colegas de curso fecharem a cara ao escutarem observações sobre as ideias que expunham. Aprenda isto: se alguém está testando o seu argumento preste atenção. É melhor sofrer o escrutínio de um argumento mal colocado cedo do que ser questionado em sua tese quando o tempo para maior reflexão ou pesquisa possa já ser curto.
3. DIRECIONE AS SUAS ELETIVAS
Procure cursar eletivas que façam a diferença em sua tese e em sua carreira. Peça conselhos ao seu orientador sobre o que cursar. Solicite à secretaria o programa das eletivas. Informe-se com alunos que já fizeram o curso sobre o que acharam. Examine estas informações com atenção. Trace já um caminho a ser percorrido.
4. CONTINUE CONVERSANDO COM OS PROFESSORES
Faça perguntas, aproveite a experiência dos professores do programa de pós-graduação. Busque obter o melhor de cada um deles, mesmo que seja uma opinião sobre congressos que valem a pena ir, como organizar a pesquisa ou outro tema que você veja que poderá tirar um bom proveito para a sua vida de pesquisador. Considere que você já estará diante de alguém que conseguiu fazer parte de um programa de pós-graduação que você respeita. Portanto, aproveite.
O terceiro ano
1. ESCREVA, ESCREVA, ESCREVA!
Agora você definitivamente deve transformar as suas notas em versões de sua tese. Lembre-se que tudo já deve estar pensado e estruturado. Nada de começar do zero aqui. O momento é de colocar mão na massa e trabalhar firme para não faltar tempo no final.
2. APROXIME-SE DO SEU ORIENTADOR
Nunca, mas nunca mesmo deixe de falar com o seu orientador. Não desapareça. Tenha um calendário de encontros e informe com antecedência qual a razão do encontro. O tempo de ambos é precioso.
3. ELABORE UM ARTIGO E PROCURE PUBLICÁ-LO
No final do terceiro ano você deve já pensar em publicar algo de sua pesquisa. Existem vários tipos de artigo. Um deles é o exploratório cujo propósito é basicamente auxiliar que um tema ainda pouco explorado tenha uma apresentação que o torne familiar aos leitores. Aqui não é necessário que se apresente respostas, mas sim possibilidades. Talvez esta seja uma boa escolha para começar.
O quarto ano
1. NÃO É O TRABALHO DA SUA VIDA
Este ano, em geral, é o mais difícil. Você está cansado e os problemas parecem pipocar de todos os lados e do nada; sem aviso. Tente acalmar-se, controlar o estresse e a confusão que surge dos desafios emocionais que você está vivendo. Lembre-se: isto é uma tese não o trabalho da sua vida.
2. REVEJA A DATA DA REVISÃO DE SUA TESE
Dependendo do tamanho, reserve ao menos dois meses para que ela seja corrigida e revisada nos mínimos detalhes. Não amesquinhe o tempo de revisão. Este é um erro comum que você não precisa cometer.
3. POSSÍVEL BANCA?
Converse com o seu orientador sobre potenciais examinadores, se houver abertura para isto. É sempre bom saber de antemão quais são os possíveis examinadores.
4. PREPARE A SUA DEFESA
Faça uma boa página com os principais tópicos a serem tratados na apresentação. Peça conselhos ao seu orientador. Conheça as regras da defesa. Enfim, prepare-se.
5. PALAVRAS FINAIS: OLHO DE TIGRE
É possível que você tenha lido esta postagem e tenha pensado: Nossa! Não sabia que eu estava me metendo nisso tudo. Deixe-me dizer algo para acalmá-lo. Um programa de pós-graduação confiou em você. Na seleção você foi escolhido por sua capacidade intelectual. Então você é capaz. Mantenha o foco. Felicidade é a soma de momentos felizes. Seja feliz com pequenas coisas, com pequenas conquistas diárias. Saiba que um dia a sua tese chegará ao fim. Mas para isso acontecer você deve ser insistente como Rocky Balboa na luta contra Apollo “o Doutrinador”*. Afinal, a luta apenas acaba quando soa o gongo, pouco importa quantas vezes você caiu no ringue. É do final que todos irão se lembrar.
* APOLLO CREED
Nota: a conversa foi com um aluno de doutoramento, mas essencialmente poderia ter sido a mesma com um de mestrado. Assim, com pequenas adaptações, o que aqui foi resumido pode ser útil também a mestrandos.